terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Descobrindo-se

Lúcia era seu nome. E era melhor não conhecê-la. Claro que, em sã consciência, as pessoas tendem a manter distância. Ela é má. Aliás, má são as pessoas normais. Lúcia é cruel. E ama isso. O engraçado é que seus pais a criaram como criaram a irmã - uma mulher íntegra, dois anos mais mais velha, já casada e muito amorosa.

Ela percebeu com o tempo, depois de uma certa experiência, que adorava ver os outros sofrerem. Isso lhe dava prazer, lhe saciava - como nenhum homem havia conseguido.

O dito ocorrido sucedeu-se num sábado. Mariana, a irmã de Lúcia, precisou ir com o marido a um workshop sobre vendas - que era o seu ramo -, e não tinha ninguém para ficar com seu filho, um menino de oito anos. Pediu a Lúcia, pesarosa, que aceitou após alguma insistência. Tudo aconteceu muito 'naturalmente'.

Lúcia chegou de noite na casa de sua irmã. Uma casa bonita, arrumada e razoavelmente chique. Trouxera sua pequena mala com uma muda de roupa e seus itens de higiene, para passar a noite. Não se preocupara com nada para divertir o garoto - ele devia ter ali o suficiente. Chegou na porta, apertou a campainha. Esperou. Alguns segundos depois, a porta se abriu, e sua irmã apareceu, vestida elegantemente.

Mariana era muito parecida com Lúcia, ao mesmo tempo que tão diferente. Era bonita - porém não tanto quanto a mais jovem -, mas seu traço mais marcante também era o olhar: o de Lúcia era frio, astuto e cruel, e o de Mariana era cálido, amoroso e preocupado. E isso fazia toda a diferença.

- Entra, Lú. - Disse Mariana, abrindo caminho para sua irmã passar.  - Muito obrigada por vir, não tínhamos com quem deixar o Vicente! - Exclamou, dando um abraço em sua irmã e mirando-a de cima a baixo. - Você está bem? Espero que sim, sabe que pode falar comigo sobre o que for. - Falou ela, empurrando cordialmente Lúcia casa adentro.

A vontade que Lúcia tinha era de dizer "Sou frígida", porém resistiu a esse impulso e apenas deu um pequeno sorriso, murmurando algo como "Bem, bem". Elas foram andando pela casa até onde se encontrava o resto da família: o marido de Mariana, um homem alto, bonito e com os cabelos começando a perder a cor, e um menino pequeno para seus oito anos, loiro e bonito.

Quando as irmãs entraram na sala, o pai se levantou, indo na direção das duas, mas o menino sequer olhou, concentrado em seu video game. Quando viu isso, o pai deu uma pequena tossida e o garoto se virou. Entediado, levantou e caminhou junto com seu pai. Primeiro o marido de sua irmã a cumprimentou, com um beijo em cada bochecha, respeitoso. Depois o garoto a puxou para  que conseguisse alcançar sua bochecha, e beijou-a também, sem interesse. Ela deu um sorriso e murmurou um "oi" para ambos. Uma chama se acendeu em seu peito, desconhecida.

O casal conversou - ou tentou manter uma conversa - com Lúcia. Perguntaram sobre estabelecer família, amores, amizades, profissão… Ela apenas respondia automaticamente, sem prestar real atenção. Achava aquilo tudo um saco, um suplício. Queria que eles fossem logo e a deixassem em paz com o menino - que não fazia nada além de apertar aqueles botões do joystick.

Lúcia analisava o garoto quando Mariana e o marido vieram comunicar que precisavam ir. Deram beijos no filho e lhe pediram educação e, como sempre, disseram o clichê "seja um bom garoto".  Foram se despedir de Lúcia, então. Lhe recomendaram ter paciência com o menino e calma. Disseram-lhe o horário de dormir e o que dar para comer. Ela escutou com atenção essa parte - não queria um menino chato chorando por qualquer coisa que ela tenha deixado escapar.

- Então é isso, Lúcia! O Vicente deve dormir às dez e meia! E antes disso tomar um leite com chocolate. Não esquece de fazer ele esco… - Falava Mariana sem parar, parecendo meio preocupado e aflita. Ela e o marido estavam no carro já, dando ré da garagem.

- A Lúcia entendeu, amor. Você disse isso três vezes, já! - Riu-se o marido, olhando para Lúcia e revirando os olhos, divertido. - Ela vai saber o que fazer, não vai, Lúcia? - Perguntou sorrindo o homem, com o carro ligado e começando a andar, devagar.

- Claro que sim. Viajem tranqüilos. - Lúcia sorriu. Uma sombra - ainda - de seu sorriso cruel. Estava na soleira da porta. - Nos vemos amanhã. Vicente e eu vamos nos divertir, vocês vão ver. - Gritou.

O carro foi se distanciando, ao mesmo tempo em que o sol ia sumindo no horizonte. Lúcia fechou a porta com um baque e chaveou-a. Guardou as chaves no bolso e rumou para a sala, onde se encontrava Vicente. Ela sentou no sofá ao lado dele e sorriu.

- Então, querido. Já sei o que podemos fazer. - Ela disse, calmamente, virada para ele.

- Ah!  Eu quero jogar video game! Estou quase passando esse nível! - O garoto falou, concentrado, sem tirar os olhos da tela.

- Não vai dar, Vicente. Desculpa. - Falando isso, ela caminhou até a tv e desligou-a. Olhou para o garoto, que parecia bravo e prestes a chorar. - Se acalma, o que vamos fazer será bem mais divertido. - Ela disse, com aquele brilho frio cintilando em seu olhar. - Pelo menos pra mim. - Murmurou.

10 comentários:

  1. Nossa, essa Lúcia parece ser mega terrível. Quero uma continuação do texto, fiquei super curioso pra saber afinal o que ela vai fazer com o pobre do garoto.

    Enfim, perfeito como sempre. Parabéns!
    <3

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  2. Poxa! Adorei o texto. Sou muito fã de textos, poemas me enjooam. Havia tempos que eu não encontrava um texto tão bom para ler!
    Adorei o blog, layout simples, mais impactante. Parabéns!

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  3. Adoro textos que terminam assim, vagos, à imaginação do leitor. E você faz isso perfeitamente bem, Gabriel.

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  4. Muito bom, gosto da maneira como escreve Gabriel, amei o texto, acho que o li umas tres vezes. rs'

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  5. quero ver a continuação... rs



    Um Beijo

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  6. Muito bom. Eu prefiro que não haja continuação;

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  7. OMG, muito legal *O* E sim, eu _necessito_ de uma continuação. Preciso saber o que ela vai fazer com o Vicente e... E... ;-; QQQQ
    Muito bom, Gabi *-* Parabéns! <3 Beijo~ :3

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  8. Confesso que a minha disposição para com textos é quase nula. Mas, não sei porquê, a primeira frase de seu texto prendera-me de tal forma que me obrigou a ler o texto por inteiro.

    Não poderia deixar de elogiá-lo! Escrita maravilhosa, pois ao mesmo tempo que é fácil de entender, é bem elaborada e absolutamente instigante. Do tipo que prende o leitor e o diverte até o fim.

    Meus parabéns! Adorei o texto, lerei mais de seu blog.

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  9. Gabriel, querido, selo para você no meu blog.
    Abraço.

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  10. Amei esta personagem! Lúcia... Amei sua escrita e como você a desenvolveu. Me fascinou do início ao fim, blogueiro Gabriel! Pelos tags vi que seria um texto, mas prefiro denominá-lo conto. Amei, achei muitíssimo interessante! Parabéns!
    Amo contos!

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