sábado, 26 de março de 2011

Razões

A morena abre a carta, sentada em sua poltrona, e dá um sorriso debochado ao identificar a caligrafia cuidadosa de seu pai. Permanece séria enquanto seus brilhantes olhos percorrem linha  após linha.

"Lúcia querida, minha filha amada.

Eu e sua mãe estávamos passando por muitas brigas. Diariamente, nos desentendíamos por bobagens... e isso se tornou cada vez mais frequente e sério. Eu não podia deixá-la, já que seu quadro clínico não era dos melhores e sua pequena irmã, Lívia, sofreria ainda mais. Você sabe, não escondemos de você e de sua irmã mais velha: o câncer estava progredindo e atingindo outras partes do corpo. Por isso, mesmo que brigassemos bastante, eu estava sempre ali para auxiliá-la e socorrê-la, caso precisasse. A situação estava incontrolável, eu não aguentava mais. Mas precisava continuar: por ela, por nossas três filhas.

Nesse mesmo dia que tudo estava dando errado e tivemos uma briga especialmente feia, eu conheci Carolina. Ela é doce, sincera e compreensiva. Não falei sobre sua mãe e ela nada perguntou. Começamos a nos envolver mais seriamente. Sempre que acontecia algo mais sério entre mim e sua mãe, Carolina me ajudava a esquecer, me fazia suportar mais um dia de sofrimento, estresse e preocupação. 

Você precisa entender que o que aconteceu não foi minha culpa. Não foi culpa de absolutamente ninguém, além do acaso - ou destino, como queira. Depois de uma briga, fui ver Carolina, como de costume, e sua mãe ficou em casa costurando. Como eu ia saber, querida, que o pior aconteceria nas poucas horas que fiquei fora? Ninguém sofre mais do que eu com isso. Desde o falecimento de sua mãe - minha amada esposa, sim -, eu não vejo Carolina. Não consigo mais. Mariana é a única da família que me ajuda e, graças a Deus, levou Lívia consigo para cuidar, já que nossa pequena era a única que estava em casa e nada podia fazer para salvar sua 'mamãe'.

Eu preciso do seu perdão. Sei que você é diferente das outras duas, inclusive da pequena Lívia, mas precisa me perdoar. Precisa esquecer isso. Eu sofro tanto quanto você, acredite. Te amo muito, muito, muito.

Com carinho, seu pai."

Após a leitura, algumas palavras permaneciam em sua cabeça. "amada", "câncer", "incontrolável", "perdão", "Carolina"... Lúcia fechou a carta e, devagar, amassou-a. Caminhou até a lixeira e soltou o papel ali. Deu um sorriso frio e murmurou:

- Claro, papai. Você será perdoado. Amanhã mesmo nos veremos...

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