Um zunido estranho
está me incomodando. Tão rápido quanto perdi a consciência – ou me perdi, não
sei –, eu a recuperei. A escuridão que antes tomava conta de minha visão e
parecia invadir meu ser agora não mais existe. Parece que estou deitado. Olho
pro teto. Mas até algum tempo atrás eu não era apenas uma consciência sem
forma?
Aparentemente, aquele
flash não apenas me levou a outro lugar, mas também me devolveu o corpo ao qual
eu estava acostumado durante todos esses meus anos de vida. Não sei como e
muito menos o porquê de tudo isso. Aliás, eu não estou entendendo nada do que
está acontecendo. Absolutamente nada. Só sei que consigo sentir meus pés, meus
braços, minhas mãos e todos os outros membros. E consigo sentir, de fato, que
estou deitado.
Acima de mim, apenas
um teto muito alto e branco. Olho para os lados e só vejo branco. Paredes
brancas. Chão branco. Será que também
estou branco?! Por sorte, não estou. E ao me olhar, percebo que estou nu. Olho
ao redor, mas não há roupa alguma para vestir. Porém, como também não parece
haver ninguém por perto, não me preocupo com isso.
Então, me sento. Este
móvel onde estou parece uma daquelas camas de hospital – metálicas e com uma
aparência etérea. Me espreguiço, como se estivesse acordando de uma longa e
confortável noite de sono. Mas acredito que não tenha dormido – e, se dormi,
não foi nem um pouco confortável.
Hora de colocar os
pés no chão. E, surpresa!, ele não está gelado como eu havia pensado. É até bom
saber que finalmente estou reconectado à Terra. Olho novamente ao meu redor e
não vejo absolutamente nada. Apenas um longo e amplo corredor com teto, chão e
paredes brancas. Pelo menos, penso eu, não estou numa sala trancado entre
quatro paredes.
Decido seguir por
aquele longo corredor. Ele parece bem comprido, tanto que não consigo enxergar
seu fim, mas em algum ponto ele precisa terminar. E com esse pensamento em
mente, começo a caminhar.
Desnudo e descalço,
mas consciente, passo após passo vou pensando nas coisas que me aconteceram e
nas possíveis razões de terem acontecido, mas nada faz sentido. Nada parece ser
a resposta correta pra esse grande enigma em que me encontro. Penso em meus
pais e no quanto devem estar preocupados comigo. Penso no meu relacionamento
que estava começando a dar certo. Penso no meu trabalho – meu chefe deve estar
puto comigo por ter faltado durante todo esse tempo!
Mas quanto tempo? Não
faço ideia. Não consigo ter nenhuma noção de quanto tempo decorreu desde o
momento em que abri meus olhos e estava naquela sala escura, com aquela coisa
se mexendo e vindo na minha direção, até agora. Pode ter sido apenas algumas
horas ou pode, o que me preocupa, ter sido mais do que semanas.
Continuo caminhando.
Sinto que mais algumas horas já se passaram, mas nada mudou. O branco está
absolutamente em todos os lugares, não importa para onde eu olhe. Nem sombras
existem, já que a claridade é total. E isso é pior que a escuridão completa,
acredite.
Sem perder as
esperanças, continuo corredor adentro, até que, ao meu lado direito, uma porta
– que eu não havia visto até então – se abre. E eu saio de lá, igualmente nu.
Sim. Eu. Outro eu. A única diferença entre nós dois é que ele parece estar
muito bem situado naquele ambiente e está segurando uma bandeja prateada com
aquelas tampas redondas e pomposas – enquanto eu, provavelmente, estou com a
expressão perdida e sem nada em mãos.
Ao me ver, o Outro Eu
sorri de uma forma que me deixa muito perturbado, como se soubesse de coisas
que não sei e estivesse satisfeito com isso. Ele então segura a tampa da
bandeja com a outra mão e a levanta, revelando o que traz consigo e oferecendo
a mim.
Um telefone normal.
Nada além de um telefone comum, que qualquer pessoa tem em casa. Casa. Será que
ele – eu – está me dando a oportunidade
de ligar pra casa e tranquilizar meus pais? Não. Não parece ser isso. Sempre
fui de levar em conta minha intuição e poucas vezes estive errado. A razão
desse telefone estar sendo oferecido a mim é outra.
Me ocorre de
perguntar algo ao meu outro eu, mas de alguma forma sei que ele não será útil.
Pode parecer imbecil da minha parte, visto que ele saiu de uma porta com algo
para mim e carrega no rosto uma expressão confiante. Mas... não.
Talvez a resposta
esteja atrás daquela porta. Quando estou prestes a dar meu primeiro passo para
invadi-la, o telefone toca. Eu olho para o Outro Eu, e ele apenas me olha de
volta. Percebo que a ligação é pra mim. Pego o telefone, coloco-o sobre o
ouvido.
E digo: “Alô?”
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