quarta-feira, 31 de julho de 2013

Des-consciente (parte 2)

Me sinto preenchido. Preenchido de uma forma estranha e diferente, como eu jamais havia sentido antes. Nada parecido com um orgasmo. Ou com aquele tapa na cara de alguém que te irrita demais. É algo muito além disso tudo.

Mas, ao mesmo tempo, é estranho. No momento em que essa coisa – que eu continuo sem saber o que exatamente é – retorna a mim, a sala escura torna-se mais clara. Lenta e gradualmente, como uma gota quando toca a superfície de um lago calmo. E eu sou essa gota. A partir de mim, a sala começa a ser invadida por uma luz amarelada e quente.

Mas eu continuo com muito frio, e me sinto deslocado dessa sala. Ah, sim, agora consigo ver onde me encontro, e não é nada além da minha sala de estar. Até a televisão estragada, que empoeirava em cima de um móvel antigo, estava ligada.

Mas... ela está funcionando corretamente. Sintonizada em algum canal passando imagens aleatórias de um homem jovem e sorridente, cuja fisionomia não me é estranha. Parece meu pai. Acho que... não. Não pode ser. Sou eu. Mas não lembro de ter vivido as coisas que estão passando naquela velha televisão. Não lembro de ter surfado com um filho – que sequer existe. Não lembro de ter casado num belo campo e, mais assustador, com uma bela mulher – que sequer conheço. 

Mas está tudo acontecendo. Ou melhor. Tudo aconteceu e foi gravado, tanto é que estou assistindo à minha própria vida. Será que perdi a memória? Mas então o que estou fazendo aqui? Não, acho que não foi isso. Essas coisas não foram vividas por mim, mesmo que essa televisão velha da minha mãe tente me desmentir. Eu sinto que não vivi. Sinto que ela está tentando me dizer alguma coisa com essas cenas todas.

Mas eu (ainda) não sei de nada. De repente, a televisão desliga. E, com ela, as outras luzes da sala. Sinto mais frio ainda. E me dou conta novamente de que meu corpo não está como sempre foi. Na verdade, com a súbita escuridão que domina aquela sala antes iluminada, me sinto como uma sombra – sem forma, mas pensante.

Mas. Mas. Mas. Mas. Mas. São tantos ‘mas’ que não sei mais o que pensar. Minha vida não-vivida, mas gravada. Minha atual existência aparentemente incorpórea, mas consciente. Essa ‘coisa’ que está em mim, mas não sei o que é.

Ainda parado naquele ambiente totalmente escuro, sem ter para onde olhar ou mesmo como me mexer, eu espero. Espero por alguns minutos, que logo se transformam em horas, que logo se transformam em dias. Ou será que não passou tempo algum? Difícil dizer. Impossível, na verdade.

Até que um flash ilumina aquela sala. Um flash súbito e cegante, com menos de um segundo de duração. Consegui vislumbrar apenas paredes muito brancas e aparentemente sem fim. Antes de conseguir digerir essa informação, um barulho agudo e ensurdecedor racha meu crânio, mesmo que eu aparentemente não tenha um. E o que resta de mim perde a consciência. E, se eu sou apenas consciência, me perco. 

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