quarta-feira, 20 de outubro de 2010

(Não) por amor

A única coisa que eu queria era ter mamãe só pra mim. Desde que papai morreu, ela tem sido minha. Dormíamos juntos, acordávamos juntos. Sentia seu amor, sentia que era o único de sua vida. Sofremos muito mas, pensando bem, a morte do papai não foi de todo mal... Estavamos mais unidos que nunca, e eu a amava tanto que não consigo nem explicar. Me imaginar sem ela era inadmissível, não existia essa possibilidade. E, com minha ajuda, ela se reergueu. Superou a perda, algo que eu já tinha conseguido.

Até que entrou Eduardo na história. Imagine o pior homem que sua mente consiga idealizar, agora multiplique por mil. Assim era ele. E, aos poucos, conseguiu atrair a atenção dela. Eu o detestava com todas as minhas forças. Que direito achava que tinha de tirar minha mãe de mim? Isso já é revoltante, mas minha mãe também havia me decepcionado. Ela me pôs de lado pra ficar só com ele, chegando até a me deixar com a tia da casa ao lado pra sair com ele. Absurdo. Eu não podia deixar isso acontecer por mais tempo... e tomei uma decisão.

Na segunda vez que minha mãe - a MINHA mamãe - quis me deixar na vizinha pra sair com o Eduardo, eu já tinha tudo arquitetado. Na gaveta tinha uma faca daquelas bem grandes, e eu a peguei. Estava sentado no tapete da sala brincando quando a campanhia tocou. Mamãe foi em direção à porta, mas eu sorri pra ela e indiquei que ia abrir a porta pro Eduardo. Fui lá, abri a porta. A faca na mão esquerda, bem escondida nas costas.

"Oi, Fernando." Disse ele, com seu sorriso dissimulado no rosto. Eu respondi, fechando a porta, com toda calma do mundo: "Meu nome é Felipe, você sempre erra." E, segurando firme a faca, perfurei sua barriga e peitoral. Uma, duas, três, quatro vezes antes da minha mãe perceber o que estava acontecendo. Deu um grito desesperado, e eu me virei pra ela, sem parar com os movimentos contra o corpo do Eduardo. Em choque, penso eu, mamãe começou a chorar e a tremer. Eu disse: "Já vai acabar", e logo a soleira da porta estava toda ensanguentada. Sangue sujo do ex-namorado de minha mãe. Quando terminei, me virei pra ela, sorrindo por ter resolvido esse problema em nossas vidas e com a perspectiva de vivermos bem unidos como antes.

Não foi como eu esperava. Ela gritou mais um pouco (isso estava cansando, eu pensei) e disse: "Você não é meu filho, é um monstro!". Acredite, foi pior do que uma facada. Não podia acreditar que ela estava dizendo isso. Será que não entendia que havia feito o melhor pra nós dois? Eu tremia. Estava sentindo uma raiva tão grande pela ingratidão dela e isso definitivamente não podia passar em vão. Ela tinha que sentir. Se me achava um monstro, um monstro ela iria ver. Eu corri com a faca sangrenta apontada direto para seu coração - porque eu sabia onde ficava ele - e com toda a minha cólera por sua reação, afundei o metal contra carne, contra músculos. Disse pra ela: "Eu apenas queria minha mãe inteira pra mim. Se você não quer, mamãe, é melhor não estarmos aqui, porque não adianta só eu querer." E ela caiu no chão, desmontando à minha frente, uma lágrima percorrendo a curva de sua bochecha. 

Com a faca pingando sangue em minha mão, eu olhei em volta. A porta inocentemente fechada, e o que antes poderia se chamar Eduardo caído na soleira da porta. Ele estava horrível, e eu achei graça. Duvido que mamãe se interessa por ele agora, cheio de furos pelo corpo, pensei. Olhei pro outro lado e a vi, estirada em um ângulo estranho no chão, o peito vazando sangue. Bem feito. Foi ela quem me ensinou a não ser ingrato, e minutos atrás havia cometido a maior ingratidão que poderia ser possível, apenas por ter salvado ela do falso que era Eduardo. 

Eu pensei muito, e decidi que não valia a pena me matar. Sabia que seria o mais óbvio a se fazer, mas tão clichê também... Lavei a faca na pia e a depositei na gaveta de novo, onde estava antes. Deixei os corpos ali no chão mesmo, sem me importar... Quem se importa com carcaça, com restos? Chaveei a porta da casa, tomando cuidado pra pisar nos dedos daquele corpo dilacerado que antes fora Eduardo. Voltei pra sala, liguei a televisão e dei um sorriso. Pela primeira vez no dia algo estava dando certo: o meu programa favorito estava começando. Me atirei no sofá e comecei a assistir... Estava quase dormindo ali mesmo quando vocês chegaram. Deve ter sido a tia Armena que chamou vocês, ela tem os ouvidos ligados, apesar da idade. 

Tá, cansei de falar. Pode me trazer um copo d'água, Sr. Delegado?

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