segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Você merece

- Eu te avisei, não avisei? Você que não me deu ouvidos. - Disse a mulher, morena e esguia, com um meio sorriso no rosto. Visivelmente se divertindo com a situação.

Estavam em um aposento mal iluminado, úmido e sujo. A mulher estava em pé, olhando de cima para o homem. Ele tremia, querendo encará-la mas com medo do que veria em seu olhar.  Estava ajoelhado, caído naquela imundície. Criou coragem e levantou a cabeça, mirando aqueles zombeteiros olhos castanhos.

- O que quer de mim? Já disse que aquilo que aconteceu foi sem querer! Eu não tive a intenção! - Gritou, exausto, o homem. Não sabia mais o que fazer. Logo preferiria a morte a ter que aguentar mais daquele suplício.

Para sua surpresa, a mulher sorriu. Deu uma olhada para ele, de cima a baixo, encarando-o nos olhos, como se o desafiasse, e logo virou-se de costas e começou a caminhar em direção ao fundo do lugar, ocultando-se nas sombras. O homem desviou o olhar daquela escuridão, incomodado, mas logo os olhos se tornaram secundários. Os ouvidos é que foram invadidos com uma risada fria e longa, sem vida, mas que transparecia toda a diversão e satisfação que a mulher estava sentindo ali.

Ela parou de rir. Com seu sorriso satisfeito se espalhando mais uma vez pelo rosto, foi na direção do homem que, diga-se de passagem, estava preso à parede por uma algema ligada à uma grade com barras de ferro logo atrás. Caminhando devagar e muito tranqüilamente, ela passou por uma janela que a iluminou com a luz amarelada da rua, e foi possível enxergar claramente seu rosto.

Ela poderia ser descrita como 'linda'; caberia perfeitamente um 'estonteante' em sua descrição. Caberia. Futuro imperfeito. Seu rosto, sua movimentação - ela, por inteiro -, transmitiam uma frieza absoluta, um desprezo no olhar. Facilmente perceptível o quão cruel era aquela mulher.

O homem se mexeu desconfortável, sentindo-se assustado e totalmente vulnerável. A mulher estava muito próxima, e segurava alguma coisa. Com um suspiro, ela se abaixou, ficando com os olhos na altura dos dele. Passou a mão esquerda no rosto daquele indefeso, angelicalmente maligna - malignamente angelical. O homem sacudiu a cabeça para que ela parasse. A mulher, então, tornou-se séria. O sorriso cruel desapareceu, permanecendo apenas a crueldade simples e bruta.

- Vamos brincar um pouquinho. - Sussurrou ela, mordendo o lábio inferior. Estava ansiosa para começar.

- Do que você tá falando? Já não me torturou o suficiente aqui sem comida e água, preso nesse lugar imundo?! - Gritou o coitado, quase sem forças para mais nada além de objetar: estava faminto, sedento, exausto e preocupado com sua família. Vislumbrou rapidamente o rostinho de sua filha mais nova chorando, e então retornou a realidade vendo-a com algo na mão direita. Algo com aspecto pontiagudo e perigoso. Ficou trêmulo.

- Tortura? Que horror!  - disse ela, num tom falsamente ultrajado. - Ninguém vai te torturar aqui. Vamos apenas nos divertir um pouco. - Ela falou, com o característico sorriso reaparecendo em seu belo - e maligno - rosto.

Ela levantou devagar a mão direita e, como quem mostra um objeto recém comprado, girou na mão um alicate. Grande e possivelmente letal nas mãos erradas. O homem tentava se controlar, mas com essa nova visão e a perspectiva do que poderia ser feito com a ferramenta, voltou a tremer e a suar frio. Com grande esforço, conseguiu falar sem gaguejar.

- Vai me matar, é? Faça isso logo, então! Só me poupe dessa tortura! - Gritou ele, despejando seu pânico todo de uma vez e fazendo a mulher dar uma gargalhada típica de quem está se divertindo muito.

- Não, papai. Não vou te matar. Você vai preferir a morte, sim, mas isso acontecerá por conta própria. Você sabe… os seres humanos precisam de água e comida. - Disse ela, olhando para o alicate como quem analisa um troféu recém ganho. A mulher ergueu os olhos para ele e falou claramente. - Vamos começar logo, estou ansiosa.

- O que você vai fazer comigo…? - Murmurou o homem, sem conseguir se conter e gaguejando nas últimas palavras e deixando a frase morrer.

- Lembra de como eu gostava de brincar de manicure? - perguntou ela, calmamente. - Então,  eu andei treinando. Quero te mostrar como melhorei. - Seu rosto estava se tornando mais - se é que isso era possível - cruel, e ela olhava séria para seu pai, perfurando-o com os olhos. - Brinca comigo, papai.

Antes que ele conseguisse pensar em uma maneira para reagir ou algo para dizer, a bela e maligna mulher - sua filha - puxou sua mão direita para si.

- O que… - Ele começou a dizer. Não terminou.

A dor que sentiu ultrapassou todas que já tinha sentido. Ele não existia, nada existia. Apenas a dor. A dor que subia pelos seu dedos e penetrava em seu corpo. Não saberia dizer, posteriormente, se gritou ou não. Se chorou, tremeu, se contorceu ou apenas ficou em estado de choque, parado. Não saberia, também, precisar quanto tempo durou o suplício, se apenas um minuto ou a eternidade. Ele estava perdendo a consciência. Queria morrer, apenas isso. Qualquer coisa menos a dor. Ela o estava sugando para a escuridão, para o negrume total. Ou a escuridão estava preenchendo-o. Então, ele perdeu a consciência.

- Acorda. - Disse uma voz feminina, aguda e fria. Era a mulher. A cruel, a maligna.  Quando ele abriu os olhos, ela sorriu de satisfação. - Ora, ora, papai. Dê uma olhadinha nas suas mãos. O que achou do meu trabalho?

Então, ele baixou os olhos, confuso, atordoado pela dor. Ali na sua frente estavam seus dedos. Mas agora ele entendia o porquê de tanta dor: sua amada filha tinha removido todas suas unhas com o alicate, sem deixar nenhum resquício. Apenas dor, sangue, carne e pele. Os dedos estavam inchados, feios, irreconhecíveis. O homem queria dar um grito de nojo, dor e medo, mas não conseguiu. Ficou em silêncio observando seus horríveis dedos.

Logo, a mulher se levantou. Ele viu quando chutou e pisoteou suas unhas no chão, avermelhadas e mortas. Não conseguia acreditar que a menina que criou com tanto amor, dedicação e esforço se tornara o monstro que agora torturava o próprio pai. Como se transbordasse, ele engasgou. Precisava falar isso pra ela, mas não conseguia!

Então, antes que pudesse organizar seu pensamento e formular a frase, ela falou, calma e satisfeita.

- Como fui, papai? Acha que melhorei meus dotes de manicure? - Falou ela, obviamente sentindo-se muito bem.

- Como você… - Ele não conseguiu continuar, gaguejou. Logo sua raiva sobrepujou sua incredulidade. - Sua monstra! - ele degritou. Arfava com um velho, mesmo não sendo. O cansaço e o esgotamento - físico e mental - o dominavam, e ele não sabia o que aconteceria a seguir.

- Monstra? Papai, não foi assim que o senhor me ensinou a tratar as pessoas. - Respondeu ela, como se estivesse assustada com a reação do pai. - Agora, convenhamos. Você mereceu essa brincadeirinha.

- Mereci? Não! Eu já disse que aquilo tudo foi um mal entendido. Sem querer! - Gritou ele, quase histérico.

- Sem querer? Pois eu não acredito! Você vai se arrepender bastante do que fez, papai. Vai ser bom. Só é uma pena que não vá sair daqui. - Divertiu-se ela, passando a mão pelos longos cabelos negros.

A mulher se virou ágil e rapidamente, de costas para seu pai, e foi novamente para  o canto escuro do aposento, onde, supôs o homem, tivesse um armário ou algo do tipo. Ela cantarolava alguma música lenta enquanto, aparentemente, procurava por algo. Então, após uma interjeição de satisfação, o homem ouviu o barulho de uma cadeira arrastando e ela se levantou. Caminhou até ele, ainda cantarolando.

- Encontrei, papai. Meu isqueiro. - Murmurou a mulher, abrindo o pequeno objeto. Se abaixou novamente e acendeu-o. A chama tremulante iluminou fantasmagoricamente seu rosto e refletiu em seus olhos, sem diminuir a frieza de seu olhar. Ela tornou a sorrir novamente. - Vamos esquentar as coisas?

7 comentários:

  1. OMG, que tenso! Juto que eu senti as minhas unhas sendo arrancadas D: QQQ
    Muito digno *-* Sério, Gabi, tu escreveu muito bem, meus parabéns <3
    Quero mais ;; <3

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  2. Concordo com o comentário acima da Akane.
    Juro que se tivesse mais tortura no texto eu pararia de ler, pq a forma que tu escreveu ficou tão bem feita que fez com que eu me sentisse dentro do texto.
    Enfim, PERFEITO!
    quero mais tb! <3

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  3. Gabriel, Gabriel, que texto! Tudo muito bem descrito; a cena revestida de crueldade nua, fantasticamente elaborada. Texto intocável.

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  4. Ounnn *-* MUITO BOMMM! senti essa dor nas minhas unhas D: muito bem escrito, parabéns gabi! =D

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  5. Já pensou em escrever livros desse tipo??
    Muito bom!

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